A propaganda como arma de guerra no mundo dos bytes

Quando a propaganda é usada como arma pela indústria do software monopolista para pilhar seus concorrentes e ganhar mercado por meio de mentiras e falcatruas.

Diariamente somos bombardeados com peças publicitárias de todos os tipos; cremes miraculosos, aparelhos de ginástica magníficos, automóveis luxuosos, planos de capitalização que fazem fortuna e assim por diante. Muitas destas peças são verdadeiras apoteoses de milagres baseadas em estudos ou institutos que, na maioria das vezes não podem ser comprovados ou ainda que recebem pelo estudo carnavalesco.

Nesta época em que acontece a migração de empresas e usuários do software monopolista para o software livre, principalmente devido aos custos astronômicos do primeiro modelo, táticas de propaganda enganosa e subversivas dignas do III Reich de Hitler, entram em cena aproveitando-se de armas tão sujas quanto possíveis para reduzir o buraco que começa a ser apresentado nos números de clientes corporativos e usuários.

E assim, nesta guerra, acontecem várias modalidades de ataques, tais como:

Ataque 1 – descaracterizando o oponente
Na guerra mercadológica, alguns lances são dignos de comentários. Nos últimos meses a mídia internacional foi assolada por anúncios da Microsoft, principal empresa representante do modelo de software monopolista e que perde a cada dia com o avanço do Software Livre, onde apresentam dados de um conjunto de estudos feitos por vários institutos de pesquisa que “comprovam” a superioridade dos produtos desta empresa sobre o Linux no chamado TCO – Total Cost of Ownership (Custo Total de Propriedade) e em outros segmentos ou atuações. Esta mesma empresa, há cerca de um mês, disponibilizou no Brasil um estudo de um professor da USP – Universidade de São Paulo que, efetuando projeções mirabolantes, deu sustentação aos argumentos falaciosos contra o Linux nos mesmos moldes do estudo norte-americano.

Neste conjunto de estudos denominado Get the facts (Veja os fatos), onde o anúncio se baseia, é prometido pela empresa reduções de custo da ordem de 15 a 40%, além de reduções de pessoal, de código e outros sobre o seu principal concorrente hoje, o Linux. Na obscuridade do mesmo, podem ser vistos alguns erros grotescos de mensuração das porcentagens afirmadas, e não foram colocados na conta vários fatores que poderiam influenciar o mesmo contra a gigante do software monopolista e tampouco a similaridade de plataformas.

Alguns pontos interessantes do estudo são:

  • Operação de servidores WinTel (Windows + Intel) é dez vezes mais barata que o Linux – estudo de benchmark patrocinado pela Microsoft onde se faz um comparativo entre plataformas distintas: Windows sobre servidores Intel contra Linux em mainframe IBM;
  • Custo de mão de obra do Windows oferece vantagem de TCO sobre o Linux – mais um estudo patrocinado pela Microsoft. Interessante no estudo é ler: We did not investigate the causes of downtime to determine the relative impact caused by hardware failures, software failures, inexperienced users, and poorly designed or managed networks. Ora, se nenhum destes pontos são investigados, como é possível afirmar que é menor?
  • Plataforma MS .Net oferece custos de suporte e desenvolvimento 25% menores que J2EE/Linux – estudo patrocinado pela Microsoft que faz um comparativo usando produtos proprietários sobre Linux ao invés de usar sistemas livres e abertos.

Um ponto interessante: na maioria dos estudos, frases como esta podem ser encontradas com facilidade: This White Paper is for informational purposes only. MICROSOFT MAKES NO WARRANTIES, EXPRESS, IMPLIED OR STATUTORY, AS TO THE INFORMATION IN THIS DOCUMENT. Resumindo: “falamos, mas não acredite muito”.

Para tentar entender estes argumentos um tanto quanto estranhos, é bom lembrar que o atual CIO (Chief Information Office) da Microsoft, Steve Balmmer, em meados de 2000, esbravejou na mídia que o Linux era um câncer e que precisava ser combatido de todas as formas e meios possíveis. Não seria um estudo como este uma forma de combate?

Não seria tal qual a propaganda hitlerista que inflamava os alemães a denunciarem qualquer judeu que conhecessem para que estes fossem perseguidos e presos (depois vimos o que aconteceu) a fim que a “raça ariana pura” surgisse? No comparativo acima, falta em muito para Balmmer o carisma que Hitler possuía sobre seus seguidores.

Ataque 2 – Pelos flancos
No sábado, 7 de fevereiro, mais um lance na guerra de mídia foi apresentado. Um diretor de uma empresa paranaense parceira da Microsoft publicou num jornal curitibano, um artigo intitulado “Software aberto contra software pago, a luta do bem contra o mal?” no qual defende o uso de software monopolista dentro do governo e critica as atuais tendências profetizando que a definição de plataformas de sistemas pelo governo é reserva de mercado, tal qual a ocorrida entre meados da década de 80 e início da década de 90 em nosso país.

O artigo começa estimulando no leitor um medo imensurável: apresenta uma guerra que não existe (software livre x software monopolista) com requintes bíblicos (a luta entre o bem e o mal), levando aquele que lê, imaginar Deus e o diabo numa sangrenta batalha pelo poder do paraíso. Típico lance de generais que, para ganhar a batalha, inserem o medo dentro das forças inimigas com o intuito de mexer com os brios dos soldados adversários e fazê-los vulneráveis.

No meio de vários erros de conceito e alguns acertos óbvios, o articulista apela para questões como a falta de emprego devido a mudança do modelo de trabalho, além de apelar para as soluções miraculosas da companhia que sua empresa é parceira.

Na questão laboral, o mesmo comenta: “A migração de um sistema privado para o aberto acarretará a migração dos empregos, e não na criação de mais empregos como alegam os defensores radicais do aberto…”. O fato não entendível aqui é quem tem razão: o Dr. Jerry Krasner da Embedded Market Forecasters que no estudo “Windows CE e Windows XP superam Linux em ampla análise de custos de desenvolvimento embutido”, parte do Get The Facts, diz que “ao usar Windows, Houve 44% menos engenheiros por projeto.” ou o senhor Luís Mário que afirma categoricamente que o software livre acaba com os empregos. Mistérios das palavras.

Alguns podem pensar que é uma “pegação de pé” a pessoa do diretor ou com sua empresa, mas verificando o currículo da mesma, vê-se notóriamente seus interesses. Uma empresa que tem como principal foco o desenvolvimento de soluções para o mercado governamental não pode, em nenhum momento, aceitar a mudança do modelo que está acostumada. Perde-se o filé, passa-se fome.

Ataque 3 – Foi ele, não eu (acredite!)

No mesmo mês de fevereiro, um novo vírus chamado MyDoom assolou a Internet causando mais de US$ 25 bilhões em prejuízos para as companhias que tiveram seus sistemas prejudicados pela praga virtual. Diferentemente de outros vírus, este possuía características de guerrilha digital. Sua principal finalidade era invadir computadores e, a partir destes, lançar no primeiro dia do mês, um ataque maciço de DoS ao website da SCO, empresa que está sendo considerada como a mais odiada do mundo.

Poderia ser uma anedota ou até mesmo invenção de alguém cheio de rancor. Mas, se o fato for visto com calma e em outro ângulo, podem ser encontrados vários indícios de manipulação da mídia que levam os leitores a obterem outra conclusão.

O maior indício de manipulação reside no estardalhaço da SCO em rapidamente imputar à comunidade de software livre mundial a culpa pela criação e disseminação do vírus, alegando que seu processo contra a IBM avivou a ira de várias pessoas e que estas, não tendo como provar a falsa alegação da empresa, resolveram descaracterizar seu website.

Certamente esta é uma argumentação fraca e sem base de sustentação. O caso SCO está em trâmite na justiça norte-americana e nada iria acrescentar uma ação descabida destas junto ao mesmo. Entretanto, ela abre para a SCO um caminho interessante no desdobramento da história.

Aproveitando este “ataque”, o CIO da SCO enviou uma carta ao congresso norte-americano onde destila seu veneno sobre a comunidade e modelo de software livre, dizendo que estes podem ser ameaça à economia e a segurança dos Estados Unidos.

Observemos a vantagem que é tirada da situação. Sim, o website da SCO parou de funcionar no dia 1° de fevereiro mas não foi obra da comunidade de software livre. Alguns inclusive argumentam que poderia ser uma atitude da própria companhia que, precisando estar na mídia para manter suas ações em alta (depois do anúncio do processo contra a IBM), criou o vírus com o intuito de manter o vaporware crescente.

Próximos movimentos – não pode com o inimigo, junte-se à ele
Nada desacredita-me que a Microsoft em breve estará com a maioria dos seus softwares disponíveis para a plataforma Linux. Este movimento inclusive já começou com a disponibilização de seu “passport” que dá acesso ao portal MSN para Linux e também com a contratação da empresa Intervideo para portar seu MS Windows Media Player. Dentro em breve veremos MS-Office for Linux, MS-Exchange, MS-SQL Server e outros tantos.

Mas isso não quer dizer que os ataques terminarão. Pelo contrário. Este momento será aquele de desculpas e novos estudos onde a força da mídia será usada de outra forma: a dúvida. Veremos anúncios que pregam o acréscimo de 20, 30% de performance na base de dados MS-SQL sobre Linux, a estabilidade do MS-Exchange sobre Red Hat e a robustez do MS-Proxy sobre SuSE Linux. Também poderemos ver lances interessantes como empresas que recebem monstruosos benefícios das companhias de software monopolista para criarem “cases de sucesso” onde a troca do Linux pelo Windows foi vantajosa e obrigatória.

A seguir, cenas dos próximos capítulos.