Conversando com Bruce Perens sobre negócios livres

Tive a oportunidade de conhecer Bruce Perens na Noruega quando participávamos do mesmo evento. Pessoa de fácil trato e rapidez de pensamento invejáveis, Bruce é conhecido como um dos evangelistas do Open Source mundial. Co-fundador da Linux Standard Base e Open Source Initiative, também é um dos lí­deres do projeto Debian GNU/Linux, uma das distribuições Linux mais usadas mundialmente. Este curriculum por só coloca Bruce em uma posição de destaque no cenário mundial do Open Source. Mas, inquieto como é, possui vários projetos e atividades paralelas, focando sempre as questões de liberdade do compartilhamento do conhecimento e também negócios com este modelo.

Um destes projetos é o Bruce Perens’ Open Source Series que, em parceria com a editora norte-americana Prentice Hall, disponibiliza livros, depois de algum tempo, em formato livre para download na Internet, sendo este o ponto de algumas perguntas feitas diretamente à Bruce sobre os mecanismos de funcionamento desta iniciativa, com o intuito de compreender o modelo e, sendo possí­vel, criar réplicas em outros países e mercados, inclusive no Brasil.

Inicialmente, a dúvida que paira sobre este modelo é no tocante as questões comerciais: existe como ganhar dinheiro neste modelo de negócios ou seria ele um grande engodo ou ainda uma ação de filantropia? A resposta de Bruce sobre o assunto é interessante pois, coloca em evidência vários pontos que podem ser usados em outras áreas também.

Livros são, como vários outros modelos de negócio, rentáveis no iní­cio de seu lançamento/publicação. Poucos são aqueles que podem ser denominados best sellers realmente, ou seja, possuem uma vendagem constante ao longo de grandes perí­odos. Desta forma, liberar para download os livros após um determinado tempo (seis meses ou um ano), interfere ou influi muito pouco nas vendas realizadas em livrarias. Em contrapartida, auxilia na aquisição do produto fí­sico pois, como a maioria dos produtos, a sensação de tato é extremamente importante e neste caso, além de importante, é preferí­vel pelo leitor devido ao conforto que a obra impressa trás para a leitura.

Atentando-se a esta mecânica, podemos perceber que o mesmo modelo pode ser aplicado, por exemplo, para música e cinema. Artistas lançam seus álbuns que atingem grandes marcas de vendagem em pouco tempo, mas depois caem nos sebos de usados com uma depreciação alta no preço. Por quê então não liberar estas obras livremente? Além do merchandising com a divulgação, fomenta-se a apresentação do artista entre seu público para novos projetos e lançamentos futuros.

Mas será que aquele que vive do trabalho de confeccionar o produto (neste caso, a editora) encontra-se feliz com esta tática? Será que a “perda financeira” (observe, entre aspas) vale o investimento para o feitio do mesmo? Com propriedade, Bruce Perens responde que dos 13 livros já publicados, somente um perdeu um pouco de dinheiro e isso aconteceu não pelo modelo adotado, mas sim devido ao título do mesmo ser “impopular” ou ainda, muito especí­fico. Mediante esta resposta pode-se afirmar que não depende do modelo somente a boa vendagem do produto, mas principalmente se o produto é vendável. Fiascos de vendas são corriqueiros no mundo dos negócios. Como exemplos, podem ser citados o filme Gigli (considerado pelos crí­ticos como o pior filme que Hollywood já fez), o Ford Esdel, o Windows Small Business Server e até mesmo a Internet e seu “business” que quebrou na virada do século. Falta de planejamento, estratégia e visão do mercado podem fazer maravilhas contra os bolsos de investidores.

Em contrapartida, atitudes como essa podem dar uma sobrevida aos produtos e serviços, mantendo-os na “crista da onda” por um perí­odo maior e fixando na cabeça do consumidor a marca e o próprio produto. Uma questão de cultura somente.

E no mundo do software?
No mercado de software, atitude semelheante pode ser tomada por empresas que desejam, durante certo perí­odo, receber os dividendos de suas criações para custear o investimento e depois colaborar com o coletivo, liberando seu código. Aqui o grande perigo é mensurar o tempo deste “tempo de engorda”. Software, ao contrário de música e livros não técnicos, possuem um “tempo de vida” variável de acordo com sua aplicação. Sistemas precisam ser atualizados e mantidos em manutenção constante, seja para a correção de problemas ou ainda para a inclusão de novas funcionalidades e outros perdem a aplicação com o decorrer do tempo.

Me arrisco em afirmar que, no caso do software, mais vale o rendimento com os valores obtidos em manutenções e customizações, atrelados em uma polí­tica de disponibilização de código que realmente “mantê-lo na engorda”. Mercados e pulverizações diferentes fazem com que o modelo de software tenha suas particularidades muito afloradas, o que não ocorre com o mercado de entretenimento. Investe-se muito na capilaridade de distribuição de um produto que pode não atender as peculiaridades de cada um dos usuários. Assim, se torna mais sensato distribuí-lo livremente pela Internet e atender as demandas pontuais que, de uma forma ou de outra, licenciá-lo de forma a cercear os direitos de cópia e distribuição.

Aproveitando-se daquilo que já existe de código disponível, torna-se mais simples a criação derivativa de novos produtos. Uma determinada solução, com pequenas modificações, pode rapidamente atender as necessidades de vários clientes ou consuumidores, não existindo um perí­odo de gestação como é o caso de livros. Investimento sempre existirá, de uma forma ou de outra. O que importa aqui é reduzir este investimento. Para isso, o Software Livre é a ferramenta ideal.

O compartilhamento do conhecimento.
Finalmente, o intuito de todas estas formas de modelo deve ser, principalmente, o compartilhamento do conhecimento humano e consequentemente, alavancar a capacidade de absorção de novos produtos e serviços.

Quando há este compartilhamento, todos ganham financeiramente, seja hoje ou daqui há alguns meses. É comum, principalmente dentro do Software Livre, acontecerem derivações de uma determinada solução para outra a fim de atender demandas específicas. Neste ponto, não somente quem criou o fonte básico inicialmente está ganhando, mas sim toda uma cadeia em torno do mesmo. Se reduz o tempo de feitio, o tempo de disponibilização e contribui-se para o coletivo da sociedade.

O resultado desta equação é simples de ser medido: nunca foram desenvolvidos tantos softwares no mundo quanto na era do “Software Livre” e também nunca os números de pessoas usando um Software Livre foi tão grande. Para confirmar esta afirmação, deixarei o assunto para ser discutido em outro artigo, com a participação de Jon maddog Hall.