De volta ao começo

Se Lula já dizia pouco sobre software livre em seu programa de governo, o candidato tucano arrasa de vez com as iniciativas existentes, abre as portas para a indústria multinacional e se torna xerife das grandes corporações em nosso país. Baseado no discurso de legalidade, o ex-governador é a síntese de tudo aquilo que vai contra o capital financeiro e a favor da liberdade do conhecimento.

Lula fez pouco. Em seus quatro anos a frente da nação, seu programa para Tecnologia da Informação em nosso país ficou aquém do esperado tanto pelas empresas do setor quanto pelos usuários. Inclusão digital, certificação, FUST, TV digital e outros assuntos foram muitas vezes tratados de forma ambígua ou como bandeira de luta entre facções dentro do próprio governo. Mas é inegável que existiram avanços. A certificação digital e todas as áreas ligadas avançou, alguns projetos de inclusão digital apareceram pelas mãos do ITI, Banco do Brasil, CEF e outros órgãos e algumas mudanças no setor corporativo começaram a caminhar.

No tocante ao software livre, também foram vistos avanços, pequenos mas aconteceram. Repartições públicas começaram suas migrações alavancadas pela comunidade que, de uma forma ou de outra, suportou tecnicamente as investidas do poder público neste segmento tão agarrado ao modelo de software proprietário. Isto levou à governos estaduais e prefeituras de todo o país um novo modelo de gestão e trato dos assuntos relacionados com a tecnologia de forma que antes não seria possível.

Na mesma linha, a inclusão digital teve seus passos dados sobre a plataforma livre. Projetos de inclusão do Instituto de Tecnologia da Informação, MEC, BB, CEF e outros pipocaram pelas cinco regiões levando com o apoio nem sempre funcional do Gesac, conhecimento, educação e a oportunidade de inserção dos usuários destas comunidades na grande rede e também na sociedade tecnológica dos dias de hoje.

Mas e daqui adiante? O que pode esperar esta crescente comunidade do próximo presidente? De um lado a promessa de manutenção do que já existe com melhorias e, de outro, a visível adoção do discurso americanizado pregando a liberdade vigiada, preferencialmente por licenças, copyrights e DRM’s.

Disponível hoje na mídia nacional, o programa de governo do candidato tucano sutilmente apresenta um discurso voltado às grandes indústrias e lobbies de segmentos importantes da tecnologia principalmente a indústria de software e empresas de telecomunicações. Nele, promete a caça às bruxas por meio do aperfeiçoamento da legislação e punição dos piratas, além da redução de arrecadação visando o bem-estar de empresas norte-americanas e européias quando do envio de royalties ao exterior.

A necessidade de aperfeiçoamento destas leis não é senão o principal interesse norte-americano, permitindo inclusive, como na América, ser a liberdade vigiada pelos mais diversos meios tecnológicos. Na verdade nossa legislação relacionada a direitos autorais é funcional em sua grande parte, sendo necessária a efetiva aplicação da mesma e claro, modificações no tocante aos novos e modernos assuntos sem usar terminologia arcaica como “telemática”, dinamizando as leis para que atendam à todos e não somente à alguns. Mas a intenção não é esta. É colocar dentro do mesmo balaio a punição dos piratas atendendo aos desejos e pressões da indústria, principalmente de entretenimento norte-americana junto com a flexibilização de nossas leis, permitindo que desmandes como os apresentados nas culturas do norte possam aqui ser aplicados.

Prova cabal que o programa é voltado à esta indústria está no ponto onde a redução de impostos para o envio de royaties ao exterior é comentado. Ora, quem são os beneficiários desta ação? Somente a indústria deles pois nós brasileiros que produzimos softwares, não enviamos royalties para ninguém. Então, qual a vantagem para nós? Somente a aquisição de produtos como Windows com preços módicos e mais um sangramento do estado para o benefício das grandes corporações.

Na mesma linha de ambiguidades, o programa de governo cita a redução de impostos da telefonia e também o projeto de levar banda larga para todos os municípios brasileiros. No mínimo uma piada de mau gosto. Reduz-se impostos para o benefício das companhias (que já possuem lucros absurdos) e, ao mesmo tempo, sinaliza com uma obra faraônica digna de um Maluf dos anos 2000: uma infovia de cabos e antenas de satélite que levariam 15 anos para ser construída (se fosse construída), retornando todo o FUST para as companhias telefônicas estrangeiras. Não sou contra a idéia, mas sim contra sua inviabilidade e principalmente contra o discurso populista que se apresenta. Ou alguém acredita que a Brasil Telecom vai levar banda larga para Lucialva, no Mato Grosso com 100% de funcionamento?).

Claro que nestes planos ambiciosos, atitudes mais simples e eficientes como a redução de impostos para a micro e pequena indústria nacional de software foi polidamente esquecida. Infelizmente os pequenos, mesmo sendo mais de 60% do PIB, não são 60% dos votos e tampouco 60% da arrecadação necessária para a campanha, financiada pelos grandes conglomerados que desejam a todo o custo um governo que seja mais flexível com questões de seus impostos e mais duro quando o assunto for seus produtos.

Finalmente o software livre passa anos-luz de seu projeto de governo, lição sabiamente aprendida com seu colega de partido e governador eleito de São Paulo, José Serra que dizimou o projeto Telecentros dentro da cidade. Em sua rápida gestão, foi promovida uma verdadeira revolução na troca de Linux para o rico e financiador Windows, sinalizando assim que muito novamente irá mudar numa possível gestão federal: upgrade para Windows Vista.

Não me admira tal projeto de governo. Bem escrito, sem ataques diretos mas com entrelinhas negritadas dizendo àqueles que interessam o que realmente será feito. Infelizmente mais uma vez estas linhas não são para a comunidade de software livre nacional e tampouco para os pequenos que almejam uma política de TI correta para nosso país.

Pior do que está, pode ficar. É só votar.