Fair play

Não somente no futebol, no vôlei ou em qualquer tipo de esporte, mas também na tecnologia e principalmente no software livre o jogo limpo deve ser sempre regra e executado todos os dias, sem flexibilização ou adaptação por interesse deste ou daquele jogador. Aqui, um caso de dirty game.

Gosto muito da filosofia do software livre e acredito nela mesmo usando um sistema operacional proprietário (que não vem ao caso neste instante). Meu gosto não é somente pelo fato de obter bons softwares com custo de aquisição zero (ou próximo disso), mas principalmente pela disponibilidade de código que as licenças livres oferecem e a permissão direta e irrestrita para executar, modificar, usar ou fazer o que for com o este código sem infrigir os direitos de ninguém. Estas são para a licença GPLGeneral Public License, as liberdades oferecidas em qualquer software licenciado sob a mesma. Entretanto, parece que algumas pessoas e/ou empresas não entendem muito bem o texto da licença ou simplesmente não jogam limpo com ela. Vamos ao caso.

Recebi há algum tempo um e-mail de uma empresa americana que executa trabalhos com o CMS Joomla!, indo desde o desenvolvimento de websites até a criação de plugins e extensões para este CMS. Esta mensagem vinha com a propaganda que uma destas extensões estava agora sendo distribuída sob a licença GPL. “Que maravilha”, pensei. Mas, no meio da mensagem, acende uma lâmpada na minha cabeça por causa da frase “new terms and conditions”. Ora, se o software está licenciado sob GPL, os termos e condições são da licença. Não neste caso.

Pelo link dos novos termos e condições, cheguei a página que contém estas informações (se não mais estiver no ar, uma versão em PDF está aqui) e cheguei a conclusão: não entendem a GPL ou não querem entender pois vários termos ali descritos violam a licença que está informada antes de qualquer coisa na mesma página, não deixando dúvidas por qual licença o software está sendo distribuído.

Dissecando para entender

Resolvi para este artigo aproveitar o caso e dissecar o texto dos termos e condições da extensão em sua parte que trata do licenciamento para que outros possam entender o que pode e o que não pode ser feito quando se coloca um software sob GPL. Assim, o texto original está em inglês mas com os comentários em português (pegue o Google Translator, ok?).

License

Our products are released under the GNU General Public License (http://www.gnu.org). You may install our extension on more than one domain, however we provide support only for the registered domain. Source Creativity grants you a non-exclusive, limited license to use its products in accordance with its Terms and Conditions.

Até aqui tudo bem. Informam que a extensão pode ser instalada em mais de um domínio mas eles oferecem suporte somente para o domínio registrado com eles, o que é inclusive uma forma inteligente de obter algum ganho financeiro com o software desenvolvido.

Ownership

Source Creativity retains the copyright, title, and ownership of the Product and the written materials, you may not claim intellectual or exclusive ownership to any of the products (modified or unmodified). All products are property of Source Creativity LLC.

Correto também. O copyright do software não pode ser “roubado” por terceiros, mesmo que esteja licenciado sob GPL.

Modifications

You may modify the component source code for your own use only. Redistribution of any modification is not allowed without a written permission from Source Creativity. However, any modifications of the code, will lead you into losing the right to be supported. The code changes of your product for your particular needs can be requested, and this is considered as a custom development.

Aqui começam os problemas. O parágrafo informa que só é permitida a modificação do componente para uso pessoal e que a redistribuição de qualquer modificação não é permitida sem uma autorização escrita deles. Isso vai contra as terceira e quarta liberdades concedidas pela GPL que são a liberdade de compartilhar o software e a liberdade de compartilhar as alterações realizadas pelo desenvolvedor. Bola fora.

Unauthorized Use

Although the number of downloads and installations are not limited, subscriptions cannot be shared. This sharing or any other methods that allow multiple or simultaneous downloads are strictly forbidden and may result in to termination of your subscription without any prior notifications.

You may not place any of our products (modified or unmodified) on a diskette, CD, website or any other medium and offer them for redistribution or resale of any kind.

Aqui duas coisas são misturadas numa só e podem causar confusão: o download da extensão e a assinatura do serviço. Corretamente a empresa informa que as assinaturas dos serviços (suporte, fórum, etc) não podem ser compartilhadas, ou seja, cada assinante tem uma senha de acesso e somente ele pode usá-la, enquanto o download da extensão pode ser realizado quantas vezes for desejado e por um sem número de pessoas. Tudo isso está correto mas no final, outra bola fora dada quando é dito que não é permitido colocar o produto, modificado ou não, em uma mídia qualquer ou ainda redistribuir ou revender de qualquer forma.

Como na parte de modificações, esta pequena linha ao final do parágrafo é incompatível com as liberdades da GPL, basicamente com a terceira delas que trata da liberdade de redistribuição. Não existe em local algum na GPL restrição ao uso de determinada mídia para esta redistribuição; ela pode ser realizada via Internet ou por meio de mídia física.

Além deste ponto, outro pode levantar dúvidas no leitor que é a questão de revender o software de qualquer forma. A GPL trata de liberdades do software e em nenhum momento trata de sua venda, sendo esta totalmente (e legalmente) permitida pela licença. O caso de softwares como o Joomla!, Linux, LibreOffice ou qualquer outro licenciado sob GPL é o mesmo: a cobrança pelo serviço de customização e/ou distribuição do mesmo é válida, correta e porque não dizer, saudável.

O restante do texto trata somente de questões relacionadas ao suporte do produto e garantia e outros que não interessam aqui.

Má interpretação ou má fé?

Não sei dizer ao certo se os termos e condições aqui expostos são uma má interpretação ou má fé da empresa. O que posso afirmar é que, estando o software licenciado sob GPL, quaisquer “poréns” são postos de lado em detrimento as liberdades concedidas pela licença livre. O desenvolvedor que deseja distribuir seu trabalho sob uma licença livre deve estar ciente das liberdades concedidas aos usuários e como seu software pode ser tratado no futuro. Se a intenção é manter o controle sobre o mesmo, não tente adaptar licenças livres, sejam quais forem para sua necessidade. O correto então é criar duas versões do software onde uma está licenciada sob uma licença livre e outra por uma licença própria ou proprietária, mas nunca misturar a licença livre com os “poréns” que deseja. Muitas empresas já fazem isso sem tornar-se deselegante com seus usuários.

Quanto a questão do mérito sobre qual a melhor forma de distribuição de um software, deixo para o leitor decidir pois nem tudo aquilo que serve para mim, irá servir para você e vice-versa, mas que licenciar um software sob uma licença livre é ótimo, disso tenha certeza.

2 comentário em “Fair play

  1. Pingback: Tweets that mention Fair play com as licenças livres | Paulino Michelazzo -- Topsy.com

  2. Diego Walisson

    Isto está me cheirando ao seguinte cenário: analista de T.I. sugere pôr o software sob licença livre, porém seu CEO, diretor, presidente ou sei lá o que se arrepia porque pode perder dinheiro com esta idéia, aí os dois entram num “consenso” (sem o mínimo senso, é lógico) e dão um jeitinho aqui e ali na licença… Conclusão: bola fora geral!

Comentários encerrados.