LPI Brasil, um sonho encerrado

Novas “regras” para o LPI forçam o encerramento das atividades da ONG no Brasil.

2006 ficará marcado por vários acontecimentos dentro da comunidade de software livre. Mas certamente nenhum deles será tão amargamente lembrando quanto o encerramento e dissolução da ONG LPI Brasil. Um fato que passou ao largo das discussões com a comunidade pelo simples fato que não existia o que se discutir. A decisão já tinha sido tomada, não por aqueles que durante mais de três anos trabalharam árduamente para o crescimento e representação do nome LPI em nosso país, mas sim ironicamente por aqueles que deveriam fomentá-la, o LPI mundial.

Nascida dos interesses de várias pessoas da comunidade nacional em 2003 com o intuito e a crença de que seria algo muito bom para a comunidade, a ong LPI Brasil foi durante estes três anos um exemplo de trabalho bem feito. O incremento substancial no número de provas aplicadas que levou nosso país a ser um dos primeiros no mundo neste quesito e consequentemente um grande acréscimo no número de profissionais certificados nos dois níveis hoje existentes é prova cabal disto. Também participamos na elaboracão de novas provas a serem adotadas em todo o mundo, conjuntamente com o LPI Alemanha, atestando assim nossa competência.

Estivemos em quase todos os estados do Brasil. De norte a sul, cobrimos nossa terra com palestras, workshops, minicursos e eventos, sempre tendo como principal recebedor de nosso trabalho, a própria comunidade de software livre nacional.

Mas em junho passado, os rumos mudaram. Sentindo-se pressionado por forcas anômalas, ocultas e muitas vezes sem um argumento convincente, o LPI Inc, organizacão mundial que cuida dos interesses do LPI em todo o mundo, nomeou à revelia da ONG brasileira e porque não dizer, da comunidade brasileira, um representante para a América Latina que ficaria responsável pela implantação de um novo modelo de trabalho, no qual visivelmente a obtenção de lucro está acima de quaisquer interesses da comunidade. Nomeados “parceiros” ou sub-afiliados dentro de nosso país os quais teriam que cumprir metas de “rendimento” além de perder qualquer autonomia existente, o LPI mundial resolveu, unilateralmente encerrar as atividades da organizacão nacional pois, diante do modelo apresentado onde seríamos meros peões dentro do tabuleiro infestado de reis e bispos e utilizados como massa de manobra para os interesses de algumas pessoas, atendemos nossos corações e encerramos as atividades pois não nos é permitido compactuar com atividades onde a comunidade é simplesmente um número ou cifra dentro de qualquer modelo.

Sem pouco entender até agora? Explico. No modelo até então existente a organização brasileira era responsável pela marca e todos os processos relacionados ao LPI dentro de nosso país, podendo ter sua política de valores de provas decidida locamente, criar parcerias com quaisquer empresas éticamente corretas bem como com governos e autarquias, além de atender a demanda de provas de acordo com suas necessidades, nunca visado lucro em nenhum sentido. Com isso, acreditávamos fazer um trabalho coerente com os anseios da comunidade.

Mas agora, tudo é ditado por uma única pessoa para todo o continente a qual infelizmente sempre demonstrou conhecer tanto da comunidade de software livre quanto eu conheço de energia nuclear, ou seja, “ouviu-se dizer” sobre a mesma e sua mecânica, seus desejos e principalmente suas reais necessidades regionalizadas são desconhecidas. Certamente que isso não é um grande problema pois com cinco anos de convivência intensa com a mesma pode-se aprender muito. A preocupacão é sobre qual o real papel hoje do LPI mundial junto à comunidade, deixando inclusive de ter valia seu slogan que diz ser “certificação profissional para a comunidade Linux” pois a partir do momento que a comunidade é expurgada do processo, deixa de ser para a ela, mas sim para quem é dono dela.

Esta pessoa, junto com seus sub-afiliados (que até agora aquele apresentado mostra conhecer tanto de software livre quanto o Bar Brahma em SP) esperam atender melhor a comunidade do que nós atendíamos. Neste ponto entra minha grande dúvida que certamente é partilhada com outros da ex-diretoria do LPI Brasil. Será que nós, respiradores do ar da comunidade de software livre brasileira conhecemos tão pouco dela a ponto de sermos trocados? Ou será que aferir lucro é mais importante que a própria comunidade? Para nós do LPI Brasil, a comunidade sempre foi o principal motivo de nossa existência. A partir de agora, pode ser que continue assim mas não com o mesmo foco.

Neste próximo dia 14 de agosto, a ONG LPI Brasil deixa de responder pelas atividades do LPI em nosso país. Obviamente que nossas obrigações legais ainda continuam até a dissolução jurídica da organização. Acreditem, esta decisão não foi tomada por nós, mas sim pela própria LPI mundial que em carta endereçada ao nosso presidente, informou que a partir desta data, estaríamos descredenciados do LPI e com isso, impossibilitados de aplicar provas em todo o nosso território. Tentamos de todas as maneiras argumentar com a LPI mundial sobre o que estava acontecendo e porque desta decisão. Diante de respostas vagas e sem base nenhuma, recebemos sempre não, a menos que aceitácemos aquilo que estava sendo imposto. Não aceitamos e assim sendo, toda e qualquer atividade do LPI em nosso país a partir desta data não mais será responsabilidade ou estará na mão da organização brasileira, mas sim na mão de seu diretor para a América Latina, preposto pela LPI mundial para cuidar dos interesses deles aqui.

Muitos podem vir a dizer que este é um texto chorão ou piegas. Sim, em muitos pontos dele o é pois eu e vários colegas da comunidade acreditamos durante mais de três anos na organização. Não recebemos um único centavo pelo nosso trabalho. Dispendemos tempo, conhecimento e muitas vezes dinheiro do próprio bolso para fazer a máquina andar. Então para nós é muito difícil aceitar a imposição de qualquer coisa e o cenário fica ainda pior quando a imposição vem diretamente daqueles que juram defender os direitos desta comunidade. Se pensa ter visto algo similar na Bíblia, por exemplo, esteja certo que o é. Não precisamos de fogo amigo e tampouco desejamos morrer pelos interesses escusos de meia dúzia de quaisquer um. Pela liberdade, pela comunidade, trabalharíamos. Pelos interesses mercantis de uma hoje “LTDA” não!

Desta forma, com muita dor no coração encerro dentro de duas semanas minhas atividades junto ao LPI Brasil pois não tenho interesse em compactuar com o atual cenário de submissão imposto à nós brasileiros. Deixo a ONG de onde fui diretor por dois anos seguidos com a certeza de ter feito bem meu trabalho. Infelizmente o legado será aproveitado por outros que hoje não acredito terem o mesmo interesse que antes existia perante a comunidade.

As informações oficiais serão postadas dentro do site do LPI Brasil até a data acima, o qual será mantido por nós durante um certo período até caducar a próxima renovação do domínio. Do que sobrou, estaremos escolhendo uma ONG que tenha o mesmo papel que nós tínhamos, de fomentadores do software livre, para serem repassados.

O que será do LPI Brasil? Como organização, somente uma página na história do software livre nacional que um dia alguém irá escrever sobre. Como certificação, não sei responder. O tempo e a comunidade brasileira dirão.

Saudações livres, sempre!