Internet não elege, mas ajuda

Virou moda todo o candidato a qualquer coisa, desde presidente do país até síndico, espelhar-se na vitória de Barack Obama para conquistar sua boquinha seja ela do tamanho que for. Considerada como a primeira campanha que sofreu influência direta da Internet e um dos mais importantes momentos da vida digital desta década, tenta-se repetir este sucesso nas terras tupiniquins e para esta tarefa, recebi nos últimos dois meses, cinco candidatos que procuram implementar o “milagre obama” (também conhecido pelo mote Yes, we can) em suas campanhas, acreditando piamente que a Internet é capaz de elegê-los de forma simples e barata. Para todos os cinco, e agora neste artigo para os que quiserem ler, digo o mesmo: No, we can’t.

Obama com a camisa da seleção Brasileira
Nem ele acredita

Devido um conjunto de fatores técnicos e sociais, o que foi realizado na eleição americana não pode ser replicado no Brasil num passe de mágica. Somos diferentes em tudo; em nossas raízes, na forma de pensar, idioma, educação, economia e claro, consciência política. Imaginar que importar o modelo sem tropicalizá-lo vai funcionar aqui é uma grande tentativa de “forçar a barra” e um desperdício de tempo e dinheiro.

O primeiro motivo para que isso não seja possível é a diferença entre a nossa Internet e a deles. Enquanto temos somente 33,6% da população conectada, este número chega a 74,5% nos EUA. Não tem milagre; quanto mais gente na rede, maior a certeza de criar-se campanhas on-line que resultem votos.

Pensando que isso é pouco? Pois acrescente uma diferença muito grande da qualidade do tráfego e da informação acessada. Enquanto nos países desenvolvidos a penetração da rede nas residências é quase 60%, nos países em desenvolvimento, como é caso do Brasil, este número beira míseros 12%. E o que isso quer dizer? Quando se está em casa é possível acessar qualquer conteúdo, inclusive de candidatos e partidos, atividade que certamente não é permitida ou vista com bons olhos dentro das empresas. Com isso a probabilidade de um usuário estar verificando as propostas de um candidato ou seu plano de governo, se é que tem um, é muito menor aqui do que lá.

Pode-se advogar que o Brasil é o líder mundial em tempo de conexão (o tempo que os internautas ficam conectados), fato impossível de se contradizer. Mas esquecem estes mesmos advogados que a maior parcela das pessoas conectadas estão usando a Internet para pesquisa e redes sociais para trocas de fotos e recados com seus amigos de ontem e de hoje ou parentes que pouco veem e que estão distantes. Junta-se o fato que é mais interessante ver a foto da vizinha no Orkut do que o sujeito com cara de raposa e o pouco tempo realmente livre para acesso à Internet por parte destes 33,6%, obtém-se um número muito menor de votos.

Para jogar a pá de cal nestes números, alguns dados de uma recém-publicada pesquisa da Serasa Experian Hitwise sobre os acessos no Brasil cumpre este papel: os campeões de audiência por aqui são Google e Orkut, sendo que no período de férias escolares, o Orkut ultrapassa o Google. Isso diz claramente que a grande maioria de seus usuários estão em uma faixa etária que não interessa ao candidato neste momento.

Alguém vai deixar de ver isso

para ver isso?

Mesmo diante de toda esta matemática, não pode-se esquecer de outro importante ponto do sucesso da campanha americana que não é replicado aqui: infra-estrutura. Não temos infra-estrutura de banda larga e tampouco de telefonia celular para realizar nem a metade do que foi feito por lá. Enquanto nos EUA existem 93 milhões de pessoas sem banda larga, aqui o número é de aproximadamente 193 milhões e isso faz uma diferença absurda, principalmente se a principal ferramenta da campanha on-line é tecnologia: aplicações ricas em mapas, fotos, vídeos e imagens que consomem excessivo tráfego e que não poderão ser usadas pelos eleitores. Ou alguém em sã consciência acredita que com o custo da conexão no Brasil, um internauta vai esperar para ver um vídeo de um comício numa linha discada de 58kbps?

Finalmente temos uma questão mais forte e mais profunda a resolver: o brasileiro, via de regra, é pouco politizado, odeia políticos (muitos com razão) e só vai as urnas porque é obrigado. Então, como colocar uma enorme massa de brazucas para escolher A ou B? Com certeza uma tarefa que só a seleção brasileira consegue realizar com certo sucesso (com o time atual, fica difícil né Dunga!).

Aproveitando a mídia

Mas meu caro candidato, nem tudo está perdido. Existe muito para fazer e aproveitar na Internet, principalmente se você possui ficha limpa e consegue debater idéias sem usar voto de cabresto ou apelar para show sertanejo.

A Internet inaugurou uma nova era nas eleições de todos os países. Sai de cena a mídia unilateral formada por rádios, tv’s e jornais que, de uma forma ou de outra, geram um conteúdo fraco e ruim, quando não tendeciosos, para entrar em cena a mídia bilateral onde o eleitor tem voz, pode fazer muito barulho e estragar a vida de qualquer um que tente se passar por cordeiro mas que no fundo deste só possui a pele.

O exemplo de nossa vizinha Colômbia é extremamente interessante. No último 30 de maio cerca de 15 milhões de colombianos foram as urnas para escolher seu novo presidente. Dentre os candidatos, Antanas Mockus, ex-prefeito de Bogotá e filiado ao Partido Verde de lá, chegou no segundo turno e vai disputar a cadeira presidencial contra o candidato do governo Juan Manuel Santos. Até aí tudo bem se não fosse um pequeno detalhe: Mockus tinha em fevereiro somente 3% das intenções de voto. Este crescimento deu-se, claro, por sua campanha e sua ficha consideradas alvas mas principalmente pelo barulho causado por mais de meio milhão de seguidores no Facebook e outros tantos milhares em outras redes como Twitter, Sonico e Hi5.

Simpatizantes do Partido Verde na Colombia
A massa de simpatizantes nas ruas e na rede

E o que difere o cenário de lá com o daqui? Muita coisa. Primeiro, a Colômbia possui mais de 50% de sua população conectada, o que é um número expressivo. Segundo, o colombiano tem uma cultura política muito mais forte que a brasileira, permitindo assim o franco engajamento de simpatizantes à campanha (até mesmo eu participei por força de dois amigos colombianos). Por último e não menos importante, a forma como as redes sociais e websites foram usados; com idéias simples, de fácil implementação e que realmente faziam com que o eleitor tivesse a sensação de estar colaborando para mudar seu país.

Estes são os grandes pontos para qualquer candidato no Brasil que deseja se aventurar na Internet. A lisura de sua candidatura em todos os sentidos (não vale fazer conta falsa no Twitter que o tiro sai pela culatra), o verdadeiro debate com os usuários da rede e a criação de ferramentas simples que permitam aos internautas/eleitores sentirem orgulho de serem brasileiros também na hora do voto e não somente quando a seleção faz bonito nos campos da África do Sul. Aqui, vale mais a inteligência e ações simples que fantasiar o pavão que ninguém vê.

Para os dois primeiros pontos não se tem receita. Depende de cada um dos candidatos a decisão de se tornar vidraça já que pedras é o que não faltam deste lado. Já para o terceiro, não são necessários rios de dinheiro ou apelar a marqueteiros que fazem xerox da campanha de Obama, mas sim um pouco de bom senso para entender o que falta para que cada um de nós tenhamos o mesmo orgulho que um americano tinha quando seu candidato presidenciável dizia “Yes, we can!”

3 comentário em “Internet não elege, mas ajuda

  1. Pingback: Tweets that mention Internet não elege, mas ajuda. Pensamentos sobre o uso da rede nas campanhas políticas | Paulino Michelazzo -- Topsy.com

  2. Helal Ferrari

    Boa noite Paulino.
    Muito bom seu texto.
    O que eu acho mais engraçado é que tem certos politicos ai que possuem até um “mediacenter” com diversos videos e podcasts. Como você mesmo disse quando que um eleitor brasileiro com a conexão que tem vai sentir gosto em acessar uma site que só tem videos e podcasts? Nunca!

  3. Anônimo

    Penso o mesmo Helal, e mesmo assim fica anos-luz do que Obama fez por lá.

    Bom te ver por aqui. Volte sempre!

Comentários encerrados.